Artigo de pesquisa

DOI: 10.18046/j.estger.2021.159.4311

 

Implicações da pandemia de COVID-19 no relacionamento sede-filial. Uma abordagem qualitativa

 

Implicaciones de la pandemia por COVID-19 en la relación casa matriz-sucursal. Un estudio cualitativo

 

Implications of the COVID-19 pandemic on the headquarters-subsidiary relationship. A qualitative approach

 

António-Carrizo Moreira*

Bruna-Ferreira Pinto**

Cláudia-Pires Ribau***


* Professor Associado, Departamento de Economia, Gestão, Engenharia Industrial e Turismo, Universidade de Aveiro, Aveiro, Portugal. amoreira@ua.pt Autor para dirigir correspondência. https://orcid.org/0000-0002-6613-8796

** Investigadora, Departamento de Economia, Gestão, Engenharia Industrial e Turismo, Universidade de Aveiro, Aveiro, Portugal. pintobruna@ua.pt https://orcid.org/0000-0002-4041-7607

*** Professora Adjunta, Instituto Superior de Contabilidade e Administração, Universidade de Aveiro, Aveiro, Portugal. cpr@ua.pt https://orcid.org/0000-0003-2796-0354

 

Recebido: 21 de Setembro de 2020; Aceito: 12 de Abril de 2021

Cómo citar: Moreira, A. C., Pinto, B. F. e Ribau, C. P. (2021). Implicações da pandemia de COVID-19 no relacionamento sede-filial. Uma abordagem qualitativa. Estudios Gerenciales, 37(159), 280-293. https://doi.org/10.18046/j.estger.2021.159.4311


Resumo

Este artigo tem como principal objetivo a análise do processo de internacionalização de uma Pequena e Média Empresa (PME), dando especial ênfase ao relacionamento entre a sede e as suas filiais, o que é pouco estudado no âmbito das PMEs. Tendo por base uma abordagem qualitativa baseada em estudos de caso, que analisam a perspetiva evolutiva desta PME e do relacionamento da sede com as suas cinco filiais, e utilizando a teoria da dependência de recursos, conclui-se que há uma heterogeneidade de percursos e relacionamentos entre a sede e cada filial, que sofreram alterações durante a pandemia de COVID-19.

Classificações JEL: F23; M16.

Palavras-chave: internacionalização; relacionamento sede-filial; teoria da dependência dos recursos; COVID-19


Resumen

El principal objetivo de este artículo fue analizar el proceso de internacionalización de una pyme, con especial énfasis en la relación casa matriz-sucursal; tema poco estudiado en el ámbito de este tipo de empresas. Se siguió un enfoque cualitativo, a partir de estudios de caso en los que se analizó la perspectiva evolutiva y la relación de la casa matriz con sus cinco sucursales; además, se recurrió a la teoría de la dependencia de recursos. Se concluye que existe una heterogeneidad de trayectorias y relaciones entre la casa matriz y cada sucursal. De igual forma, estas trayectorias cambiaron durante la pandemia de la COVID-19.

Palabras clave: internacionalización; relación casa matriz-sucursal; teoría de la dependencia de recursos; COVID-19


Abstract

The main objective of this paper was to analyze the internationalization process of a small and medium-sized enterprise, with special emphasis on the headquarters-subsidiary relationship, which is a little-studied subject in the field of this type of company. A qualitative approach was followed, based on case studies in which the evolutionary perspective and the headquarters-subsidiary relationship were analyzed; in addition, the resource dependency theory was used. It is concluded that there are several paths and relationships between the headquarters and each branch. Moreover, these trajectories changed during the COVID-19 pandemic.

Keywords: internationalization; headquarter-subsidiary relationships; resource dependence theory; COVID-19


 

1. Introdução

Desde o final do século passado que a rápida internacionalização socioeconômica transformou o mundo dos negócios. A internacionalização das atividades empresariais é um dos temas-chave da área da estratégia e dos negócios internacionais (Ribau, Moreira e Raposo, 2015).

Como as empresas necessariamente têm que se adaptar ao ambiente externo, os seus comportamentos competitivos também têm mudado ao longo do tempo, tendo dado origem a várias teorias, interpretações e suposições básicas relacionadas com a globalização e com a crescente competição internacional (Ribau et al., 2015). Assim, desde os anos 60 que as teorias comportamentais têm um papel de destaque no estudo e caraterização da internacionalização das empresas, especialmente das pequenas e médias empresas (PMEs) (Ribau et al., 2015). Essas teorias têm recorrido aos modelos de Uppsala, à teoria das redes, à teoria do empreendedorismo internacional, conforme o comportamento aquando do processo de internacionalização.

As PMEs enfrentam vários desafios estratégicos importantes (Johanson e Vahlne, 2009): a concorrência internacional nos seus mercados domésticos; a necessidade de competir no exterior para ganhar quota de mercado; a falta de conhecimento sobre os mercados-alvo internacionais e dos seus principais concorrentes; e a distância psíquica, que inclui fatores como diferenças culturais, legais e linguísticas. Apesar de estes riscos, a decisão de não internacionalizar é vista como uma decisão mais arriscada, pois as empresas que não se internacionalizam podem perder competitividade e depender excessivamente do seu mercado doméstico (Hilmersson, 2014).

A internacionalização pode ser entendida como uma atividade empresarial entre países, sendo os principais modos de entrada nos mercados internacionais os seguintes (Chetty e Campbell-Hunt, 2003): atividades de exportação pontual e contínua, seja direta ou indireta; colaboração transfronteiriça; alianças estratégicas, investimentos diretos de raiz; e estabelecimento de subsidiárias, filiais e joint-ventures. Grande parte das PMEs utiliza as exportações como modo inicial de entrada em mercados internacionais.

Se os modelos comportamentais referidos acima são relativamente recentes e aplicados às PMEs aquando do seu processo de internacionalização, os estudos tradicionais analisam frequentemente a internacionalização e o relacionamento entre a sede da empresa com as suas filiais (Bartlett e Ghoshal, 1989; Ribau et al., 2015), envolvendo sobretudo empresas multinacionais onde a sede - casa-mãe - detinha um grande poder de decisão e os atores locais - filiais - eram frequentemente vistos como executantes (Dörrenbächer e Gammelgaard, 2011a). A exigência do controle das subsidiárias é também justificada devido à grande quantidade do capital investido por parte das sedes, assim como à tendência das filiais em não cumprirem os charters internacionais e incorrerem em estratégias de subversão para, sempre que puderem, ganhar maior protagonismo/independência perante a sede (Dörrenbächer e Gammelgaard, 2011b).

Tradicionalmente, o estudo do relacionamento entre a casamãe e a subsidiária envolvia a procura de compreensão das várias posturas das subsidiárias, que vão desde uma atitude mais ativa, de ‘empreendedorismo subsidiário’, a uma atitude mais passiva, de subordinação e controlo rigoroso da empresamãe (Birkinshaw, 1997).

É de salientar que a literatura existente neste âmbito cinge o seu campo de análise apenas a empresas Multinacionais, sendo raros os trabalhos dedicados às PMEs. Os autores focam o papel das subsidiárias, teorizando e modelando os seus comportamentos no seio das Multinacionais e destacando a sua perspetiva evolutiva e o poder que exercem sobre a sede; porém, fazem-no apenas referenciando o fenômeno às empresas Multinacionais (Dörrenbächer e Gammelgaard, 2011a). Dessa forma, este artigo vem colmatar o gap da literatura ao focar-se numa PME e no relacionamento sede-filial, analisando a perspetiva evolutiva da internacionalização das filiais, com intuito de retirar conclusões de como o poder é exercido nestes relacionamentos, tendo em consideração a influência da pandemia COVID-19 e em que medida ela muda o relacionamento entre a sede e as filiais.

Com base num estudo de uma PME portuguesa, este artigo procura abordar as seguintes questões de pesquisa: em que medida a COVID-19 pode influenciar o relacionamento sede-filial de uma PME com recursos limitados? E em que medida as filiais ganham poder face à sede no seu processo de adaptação à pandemia COVID-19? Para responder a estas questões de investigação, foi analisada uma PME portuguesa e as suas cinco filiais internacionais, sendo utilizada a teoria da dependência dos recursos, e definidos os seguintes objetivos de investigação:

  • Analisar a perspetiva evolutiva da internacionalização desta PME.

  • Analisar o relacionamento sede-filial desta PME no contexto internacional, antes e após o aparecimento da COVID-19.

  • Através de teoria da dependência dos recursos, analisar como esta PME encarou os desafios organizacionais e novas oportunidades nos mercados internacionais, analisando em que medida as filiais ganharam poder face à casa mãe.

Colmatar esta lacuna na literatura é de interesse acrescido, de forma a perceber quais as suas implicações no seio das organizações, tanto para a sede como para as filiais. Em particular, a análise da perspetiva evolutiva das subsidiárias, ao longo de um processo de internacionalização, denota especial relevância, dadas a heterogeneidade de percursos que podem existir para cada subsidiária e a variabilidade dos relacionamentos destas com a casa mãe (Brandl e Schneider, 2017).

Este artigo tem como linha orientadora a análise de cinco filiais pertencentes a uma PME selecionada, situadas em cinco países diferentes. Para tal, foram elaborados cinco casos que serviram de base à pesquisa exploratória.

O artigo tem seis secções. Após a introdução, segue-se uma breve revisão de literatura do tema. Seguidamente, apresenta-se a metodologia utilizada. Depois, apresenta-se a empresa, que, por questões de confidencialidade, será denominada como ALFA, e as suas filiais. Posteriormente, apresentamse a análise e a discussão de cada filial detalhadamente, de forma a perceber o relacionamento destas com a casa-mãe, assim como o posicionamento que ocupam no seio da empresamãe. Por fim, tecem-se as principais conclusões encontradas e explicitam-se as limitações e implicações para investigação futura.

 

2. Revisão da literatura

2.1 Internacionalização

Embora existam muitas definições, a nível empresarial, a internacionalização relaciona-se com a capacidade de exportação e exploração dos mercados internacionais, isto é, com a capacidade de atuação das empresas nesses mercados, englobando não só a comercialização de produtos/serviços para/de outros países, mas também a presença física das empresas nesses países, seja através de representações comerciais ou de unidades produtivas (Ribau et al., 2018; Dabić, Maley, Dana, Novak, Pellegrini e Caputo, 2020).

A literatura existente acerca da internacionalização destaca este processo ao nível das Multinacionais, no entanto, é nas PMEs que a internacionalização assume um papel crucial para a sua sobrevivência (Lee, Kelley, Lee e Lee, 2012; Ribau et al., 2018).

A literatura ostenta várias razões, quer endógenas quer exógenas, que sustentam a internacionalização das empresas (Kuivalainen, Sundqvist, Saarenketo e McNaughton, 2012; Ribau et al., 2018), sendo quatro as principais: a procura de novos mercados; a procura de recursos; a procura de eficiência; e a procura de recursos estratégicos. No entanto, a crescente competição global incentivou a procura de relações interorganizacionais como forma de as empresas garantirem a sua sobrevivência e aumentarem o lucro, pois estas precisam de se relacionar, não só com os seus clientes, mas também com os clientes dos seus clientes, com vista (Silva e Moreira, 2018): à obtenção de informação valiosa do mercado; à criação de preferências por produtos entre os clientes; ao alinhamento de produto, de mercado e tecnológico; e à estimulação da procura derivada.

As relações estabelecidas podem ser internas ou externas. As redes internas correspondem aos relacionamentos entre subsidiárias (Bjorkman e Forsgren, 2000). Por seu torno, as redes externas aludem aos relacionamentos entre as subsidiárias e os seus parceiros de negócio (Andersson, Forsgren e Holm, 2002).

A escolha do modo de entrada consiste numa decisão estratégica e crítica de maior complexidade que as empresas têm de tomar aquando da expansão internacional (Morschett, Schramm-Klein e Swoboda, 2010), dadas as avultadas implicações no processo de internacionalização, especialmente quando se referem a PMEs (Khemakhem, 2010).

Os modos de entrada são percursos alternativos para uma empresa transferir recursos do seu país de origem para um outro país. Cabe às empresas adotar a forma institucional que melhor facilite a entrada dos seus produtos, da sua tecnologia, das suas competências ou de outros recursos, num determinado mercado externo, e que melhor se adapte à própria organização (Kostova, Marano e Tallman, 2016). No caso das PMEs, a situação é mais específica dado que estas possuem menos recursos, quando comparadas com as grandes multinacionais, motivo pelo qual as suas atividades de internacionalização envolvem menos recursos/ ativos físicos e procuram mercados, redes, recursos e conhecimento para poderem crescer (Dimitratos, Johnson, Slow e Young, 2003).

Tendo sido referidos na introdução os principais modos de entrada, a escolha desse modo de entrada varia de acordo com o mercado e o tipo de compromisso internacional que a organização pretende assumir, em termos de risco, de controlo, de investimento e de rentabilidade (Chetty e Campbell-Hunt, 2003).

2.2 Perspetiva evolutiva das subsidiárias

A literatura sobre as multinacionais assume que as decisões ao nível deste processo são tomadas pela sede da empresa, que se encarrega da partilha e transferência do conhecimento necessário garantindo, desta forma, o desenvolvimento da empresa em território estrangeiro (Kostova et al., 2016; Forsgren e Holm, 2010).

O modelo de organização das multinacionais pressupõe que esses atores econômicos são racionais e, sob o domínio da sede, adotam decisões eficientes com intuito de minimizar os custos de transação e aumentar o desempenho econômico. Já Bartlett e Ghoshal (1989) apontam para um processo de coordenação internacional da produção, com vista a alcançar vantagens competitivas nos diversos contextos em que se encontram presentes, atendendo às contingências ambientais específicas. Assim, mais recentemente, percebeu-se que também as subsidiárias tomam decisões unilaterais que influenciam esse processo e, por isso, assumem um papel de destaque no seio da empresa e na criação de valor, colaborando com a sede na obtenção de vantagens competitivas (Birkinshaw, 1996, 1997; Paterson e Brock, 2002). Essas concepções levaram à definição de modelos que procuram refletir o papel das subsidiárias.

A exigência de um controlo das subsidiárias é também justificada com o elevado investimento por parte das sedes e com a tendência das filiais em não cumprir os charters internacionais, incorrendo em estratégias de subversão, sempre que puderem (Dörrenbächer e Gammelgaard, 2011b). De acordo com o seu domínio dos recursos, há atores que discordam dos acordos existentes, incorrendo em práticas para alterar os mesmos e fazer prevalecer os seus interesses. Estes esforços para alterar os acordos predeterminados originam conflitos com a sede. Importa, por isso, analisar o poder dos atores, nomeadamente o poder subsidiário. Este é definido como um poder de autoridade real, dado que está subjacente o controlo efetivo de ativos e decisões (Aghion e Tirole, 1997) e compreende a capacidade das subsidiárias influenciarem a sede nas decisões estratégicas e operacionais das suas atividades (Dörrenbächer e Gammelgaard, 2006). Dir-se-á que este poder é estável quando a subsidiária mantiver a sua capacidade de influência ao longo do tempo (Dörrenbächer e Gammelgaard, 2011b).

Face ao exposto, segundo Saka-Helmhout e Geppert (2011), a abordagem de nível micro do relacionamento “casa-mãe e filial” evidencia que as instituições não agem passivamente, enquadram situações específicas onde os atores colocam em jogo ‘racionalidades contextuais’ díspares e, por vezes, contraditórias ao contradizer e negociar os métodos e graus de adaptação local (Geppert e Dörrenbächer, 2014). Assim, uma vincada gestão internacional mostra-se crucial para garantir o correto funcionamento e desempenho da empresa.

Para esta análise será utilizada a teoria da dependência de recursos, onde os recursos externos à empresa afetam o seu comportamento. A procura e gestão desses recursos externos são um aspecto importante, tanto a nível estratégico como tático, que afetam as decisões e comportamentos das empresas. Uma consequência importante para a empresa é que quanto menor for o domínio de determinados recursos, maior será a sua dependência (Pfeffer e Salancik, 1978).

2.3 Teoria da dependência dos recursos

O poder da dependência dos recursos é o tipo de poder mais usual e reflete uma situação em que a filial pode deter o controlo de um recurso crítico, levando a sede a estar numa situação de dependência em relação à filial.

As seguintes situações são passíveis de evidenciar dependência de recursos, nomeadamente quando a filial possuir (Pfeffer e Salancik, 1978; Forsgren, Holm e Johanson, 2005; Andersson, Forsgren e Holm, 2007): (a) acesso e conhecimento do mercado; (b) capacidade de resolução de problemas críticos e de aproveitamento de oportunidades econômicas que emergem no ambiente local; (c) conhecimento, experiência ou tecnologias especializadas; (d) relacionamentos próximos com parceiros locais e participação em redes de negócios inovadoras; e (e) a casa-mãe ou outras filiais da rede recorrem à filial.

Esses recursos encontram-se, por norma, vinculados ao local do país anfitrião e/ou às redes comerciais específicas e, por isso, não são facilmente replicáveis, pois advêm da interação entre a subsidiária e o contexto local (Rugman e Verbeke, 2001). Além disso, a casa-mãe tem algumas dificuldades em avaliar as contingências dos ambientes locais das filiais (Andersson et al., 2007).

2.4 COVID-19

A COVID-19 é uma pandemia com consequências devastadoras no mundo inteiro, que vão muito além da saúde, nomeadamente a nível do bem-estar econômico e social (Ratten, 2020). Apesar de as medidas de distanciamento social e de trabalho à distância, que permitiram que as empresas tecnológicas e alimentares continuassem a laborar e prosperar, a perturbação no consumo e na confiança dos consumidores foi tão grande que acabou por perturbar as cadeias de abastecimento globais (Strange, 2020) e criar divisões profundas em blocos econômicos que pareciam relativamente estáveis (Landesmann, 2020). O choque provocado pela COVID-19 teve efeitos devastadores a nível da indústria do turismo e criou uma onda de desemprego e crise econômica sem precedentes, que levou ao recrudescimento da tensão ‘centrífuga’ entre países da União Europeia (Landesmann, 2020). Esses impactos também se fizeram sentir em países da América Latina (Castellano-Montiel, 2020), com consequências a nível empresarial que fazem com que a responsabilidade social empresarial e as mudanças potenciais provocadas tenham de ser levadas muito a sério para poder fazer face a períodos de quarentena, isolamento e encerramentos temporários que não levem à falência das empresas, para evitar males maiores (Martin-Fiorino e Reyes, 2020).

Apesar da adaptabilidade das PMEs, fruto da sua estrutura organizacional pouco complexa face às multinacionais, as crises econômicas deixam-nas vulneráveis, não sendo exceção a COVID-19, cujos efeitos tem vindo a notar-se significativamente no crescimento da economia de cada país tendo em conta o papel crucial destas empresas em todo o mundo (Juergensen, Guimón e Narula, 2020). A pandemia tem vindo a desafiar as PMEs industriais na Europa, que enfrentam nesta altura problemas logísticos sérios, para além dos impactos financeiros imediatos. Numa perspetiva de sobrevivência, tornam-se relevantes conceitos como a internacionalização, inovação e networking, assim como a racionalidade no planeamento de tomadas de decisão (Juergensen et al., 2020).

 

3. Metodologia de investigação

O paradigma adotado no presente estudo é o realismo, que epistemologicamente valoriza a geração de conhecimento aceitável (Wahyuni, 2012). Os realistas consideram que apenas os fenômenos observáveis fornecem dados credíveis, e concentram-se na explicação dos fenômenos dentro de determinados contextos.

O realismo visa a generalização para proposições teóricas e não para populações (Yin, 2009), isto é, mostra como as descobertas empíricas de um determinado projeto de pesquisa se alinham com as teorias. Axiologicamente, trata-se de uma pesquisa repleta de valor em que o investigador é influenciado por visões do mundo, de experiências culturais e de educação (Saunders, Lewis e Thornhill, 2009).

No que concerne ao método de pesquisa, será utilizada uma abordagem qualitativa, uma vez que esta permite um insight mais relacionado com a aplicabilidade prática da literatura, e conduzirá a uma maior compreensão dos fenómenos. Esta é uma abordagem mais interpretativa e descritiva da realidade, recorrendo a uma amostra de conveniência. Esta conjectura é apoiada por Yin (2009), que defende o recurso a estudos de caso para a análise de fenômenos sociais complexos, dado o dinamismo e a complexidade que estes envolvem. Esse método é também pertinente quando se quer compreender a teoria em vários contextos, onde múltiplos fatores imperam, motivo pelo qual a realidade pode apresentar comportamentos diversos face às várias variáveis presentes. O recurso a estudos de caso permite, ainda, analisar as discrepâncias entre a teoria e a prática e explicar essas divergências, uma vez que é descrita uma situação e o contexto em que ela ocorre na realidade, ou elucidar que, devido a certos condicionantes, nem sempre as situações apresentam os resultados perspectivados (Yin, 2009).

Para avaliar a análise qualitativa de conteúdo, seguiu-se o conceito de trustworthiness, proposto por Denzin e Lincoln (2005), que é frequentemente implementado usando termos como credibilidade, fiabilidade, conformidade, transferibilidade e autenticidade (Denzin e Lincoln, 2005). O primeiro passo para a credibilidade na pesquisa assenta na seleção cuidadosa de uma organização.

Tendo por base o objetivo inicialmente traçado, a escolha da empresa a analisar teve por base os seguintes critérios: ser uma PME Portuguesa; não estar numa fase inicial do seu processo de internacionalização; apresentar diferentes modos de entrada nos mercados externos com divergências evolutivas nas suas filiais.

A escolha da empresa prendeu-se com o facto de se tratar de uma PME portuguesa com um processo de internacionalização amadurecido com várias filiais internacionais, que ao longo do tempo apresentaram algumas oscilações na sua evolução. Esta PME, que por razões de confidencialidade é designada por ALFA, foi selecionada por possuir atualmente cinco filiais ativas, tendo atravessado ao longo do processo evolutivo alguns avanços e retrocessos, que consideramos de interesse acrescido. Assim, neste artigo, serão apresentados cinco estudos de casos, cada um representando uma filial da empresa.

Para garantir a fiabilidade, foram descritos todos os processos e análises utilizados durante a pesquisa e identificados os principais instrumentos utilizados na recolha de dados, como seja o guião das entrevistas.

O guião das entrevistas contava com três partes diferentes. A primeira parte identifica a evolução da empresa a nível corporativo (volume de vendas, principais produtos, perspetiva histórica, principais concorrentes locais e internacionais, principais modos de entrada e relações com as filiais). A segunda parte identifica a perspetiva e evolução de cada filial (ano de entrada em funcionamento, mercado local, fatores exógenos mais relevantes, controlo do capital social, governança corporativa, perspectiva evolutiva da filial, relação com a casa-mãe e principais eventos críticos). A terceira parte analisa o impacto da pandemia (relação filial/casa-mãe, volume de vendas e cadeia de valor, adaptação dos produtos e atividade comercial local, tipo de restrições, autonomia local e governança).

O principal método utilizado para a recolha de dados foi a entrevista semiestruturada, recorrendo a perguntas de resposta aberta, com o intuito de aprofundar temas que fossem emergindo (Fisher, 2007). A estrutura aberta permite explorar dados obtidos no decorrer das entrevistas, com o objetivo de ganhar uma compreensão mais aprofundada sobre o tema (Fisher, 2007). As entrevistas permitiram a recolha de dados primários, que fornecem informação relevante para a pesquisa, com o intuito de obter respostas concretas para o problema em causa. No presente estudo, estas entrevistas foram realizadas aos seguintes intervenientes: à Marketing Manager; a cada um dos cinco responsáveis pelas filiais; ao Export Manager e ao Market Manager da empresa selecionada, conforme se apresenta na Tabela 1. As entrevistas tiveram como guia um conjunto de questões de respostas abertas com vista a uma maior interação com os entrevistados. Para garantir a conformidade, ou seja, o potencial de congruência entre duas ou mais pessoas independentes sobre a precisão, relevância ou significado dos dados, as entrevistas foram realizadas individualmente e de forma separada (sem que os entrevistados soubessem que existiam mais pessoas a participar no estudo). As entrevistas foram gravadas e tiveram uma duração entre 1h e 1h30, sensivelmente. Posteriormente, as entrevistas foram transcritas e analisadas pelos autores. Foram preparadas tabelas com as principais características de cada filial e do seu relacionamento com a casa-mãe. A informação obtida foi, posteriormente, validada através do confronto com dados secundários, nomeadamente em documentos da empresa, e triangulando os dados obtidos com todos os entrevistados (desenvolvidos individualmente) e cruzando os mesmos com uma segunda entrevista com a Marketing Manager da empresa.

 

Tabela 1 Caracterização dos entrevistados

Sede Sede Sede Filial Marrocos Filial Angola Filial Moçambique Filial Chile Filial Ucrânia
Tempo da entrevista 2h17 (duas entrevistas) 1h33 1h19 1h12 1h15 1h43 1h14 1h39
Função Direção Marketing Direção de mercados externos Gestor de mercados externos Gestor da filial Gestor da filial Gestor da filial Gestor da filial Gestor da filial
Formação PhD Licenciatura Ensino Secundário Licenciatura Ensino Secundário Ensino Secundário Licenciatura Licenciatura
Carreira na empresa 24 anos 22 anos 33 anos 38 anos 12 anos 12 anos 4 anos 10 anos

Fonte: elaboração própria.

 

Para garantir a transferibilidade, procurou-se relatar o processo de análise e garantir resultados pertinentes e de alta qualidade, fornecendo indicações precisas acerca do contexto, seleção e características dos participantes. Esta descrição foi conseguida através da apresentação detalhada dos cinco estudos de caso.

A recolha de informação em documentos internos e em publicações disponíveis, assim como em trabalhos acadêmicos e comerciais sobre a empresa foram as principais fontes de dados secundários. Esses dados foram obtidos através de documentos disponibilizados pela empresa e da informação que consta no website da mesma. Esse método de recolha de dados de várias fontes ajudou à triangulação de dados e auxiliou os investigadores não apenas a recolher informações relevantes mais abrangentes, mas também a verificar a sua consistência, a fim de aumentar a robustez dos resultados.

Finalmente, a autenticidade foi conseguida através do cruzamento de informação de várias fontes e recorrendo a vários entrevistados. Para retratar a realidade de forma fiel e justa, a entrevista foi realizada na presença de dois entrevistadores, o que diminui o enviesamento do entendimento da realidade e o possível viés durante a entrevista.

 

4. Apresentação da empresa

Com mais de 50 anos de existência e inserida na indústria dos plásticos, a ALFA é uma empresa de referência nos mercados internacionais, com soluções integradas de tubos e mangueiras, tanto para uso doméstico como industrial.

A ALFA foi uma filial de uma multinacional estrangeira em Portugal, gozando de uma ‘quase independência’ face à mesma. Contudo, em 2007, os sócios portugueses compraram os 51% do capital da filial da empresa em Portugal, que até então era propriedade da multinacional, passando a deter 100% do capital da mesma e continuando a laborar como unidade produtiva autônoma. Desde 2007, a ALFA serve os mercados internacionais sem restrições por parte do grupo multinacional. Continuou a servir o mercado com uma gama diversificada de produtos, nomeadamente nas seguintes áreas de negócio: jardim (onde mais se destaca, com um maior volume de vendas); agrícola; industrial e construção. A ALFA continuou a apostar na inovação tecnológica, no desenvolvimento de novos produtos e na garantia dos seus indicadores de qualidade e eficiência (aspetos que foram reforçados com investimentos na reconversão tecnológica da empresa).

A forte marca e qualidade dos seus produtos permitiram-lhe diversificar mercados, tendo atualmente cinco filiais: Angola, Moçambique, Chile, Ucrânia e Marrocos. Exporta os seus produtos para 59 países de 5 continentes diferentes e tem uma produção que atinge os 5000 milhões de toneladas de produtos por ano. O mercado Europeu representa 86% do total das suas vendas externas e o seu maior mercado internacional fora da Europa é Marrocos.

De acordo com a definição de PME vigente na Europa, a ALFA é uma PME dado que emprega menos de 250 pessoas e o volume de negócios anual não excede 50 milhões de euros, ou o balanço total anual não excede 43 milhões de euros (Muller et al., 2018).

Até 2007, com autorização da casa-mãe, exporta para países como Espanha, Marrocos e países africanos de língua oficial portuguesa, dado serem países onde o grupo não tinha representações e onde era possível usufruir de uma proximidade psíquica e geográfica. Esta experiência internacional permitiu-lhe adquirir mais conhecimentos/ experiência com aqueles mercados internacionais e criar relacionamentos. Em 2007, enquanto unidade independente, aproveitou o conhecimento internacional que já detinha para ampliar a sua experiência internacional. Sem restrições, intensificou a sua atividade internacional nos mercados que já se encontrava presente e contactou com novos mercados.

Uma das principais apostas da empresa para entrada em novos mercados é a exportação direta. Em 2020, 51% do total das suas vendas têm como destino o mercado internacional através de exportação, contabilizando as exportações realizadas para as filiais do grupo - que representam apenas 8% do total. Numa fase inicial da expansão, a empresa adota este modo de entrada como a principal forma de penetração internacional.

A ALFA optou por investir em algumas filiais, através do Investimento Direto Estrangeiro, algumas delas em países onde já realizava exportação direta e que reuniam as condições consideradas ideais. Tendencialmente, a empresa optou, numa fase inicial, por filiais comerciais, tendo algumas delas evoluído, posteriormente, para unidades produtivas.

4.1 Filiais da ALFA

Por razões de confidencialidade, os volumes de venda da ALFA não podem ser apresentados. Na Tabela 2, apresenta-se o Volume de Vendas de cada filial face ao volume total de vendas dos produtos exportados da sede, em percentagem. Assim, estes volumes não contabilizam as vendas dos produtos produzidos nas filiais produtivas.

4.2 Filial de Marrocos

O primeiro contacto com o mercado Marroquino ocorreu via exportação direta. A criação da filial, em 2006, ocorreu quando a ALFA ainda não era autônoma, e resultou da necessidade de querer fortalecer as relações com os clientes marroquinos. A ALFA recorreu a parceiros locais, conhecedores desse mercado, inicialmente com uma representação comercial. Ainda hoje, 100% do capital social desta filial é pertença dos parceiros Marroquinos e é uma representação comercial da ALFA. Assim, a ALFA apenas exporta para estes parceiros, que comercializam de forma exclusiva os produtos da marca, sendo eles responsáveis pela gestão e distribuição dos mesmos naquele território.

A maior parte dos produtos oferecidos nesse mercado são produtos standard produzidos na casa-mãe; excepcionalmente podem ser alteradas as cores dos produtos, tendo em conta as especificações dos clientes no canal de distribuição.

A concorrência que se verifica nesse mercado advém maioritariamente de países Europeus, pois, apesar de existirem algumas unidades de produção no país, o leque de produtos é pouco variado. Embora haja algumas diferenças culturais, a estabilidade em termos econômicos e políticos, constitui uma vantagem.

Em 2020, o mercado Marroquino representa o segundo maior mercado exportador da ALFA, com um total de 13% do volume de negócios da empresa. Como apresentado na Tabela 2, é a filial com maior volume de vendas.

 

Tabela 2 Importância relativa das filiais face à sede (em % do volume de vendas total)

Filial 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014 2015 2016 2017 2018 2019
Marrocos 100,00 100,00 100,00 40,69 36,53 24,87 22,10 21,75 23,11 24,61 28,41 37,10 45,88 42,48
Angola 18,27 34,87 49,95 50,65 41,91 40,62 5,64 7,68 14,39 15,49
Moçambique 58,87 33,44 26,53 27,95 27,59 34,99 34,77 16,80 16,29 9,29 24,57
Chile 0,44 11,77 13,73 0,00 0,00 0,00 0,00 0,00 0,00 0,00 0,00
Ucrânia 49,15 38,94 30,43 17,46
Total 100,00 100,00 100,00 100,00 100,00 100,00 100,00 100,00 100,00 100,00 100,00 100,00 100,00 100,00

Fonte: elaboração própria a partir de dados da empresa.

 

De acordo com o Export Manager da empresa, a disrupção sentida face a esta pandemia só se verificou, até à data da entrevista, em termos de volume de vendas, tendo a ALFA conseguido manter o abastecimento daquele país. Adiantou ainda que, tratando-se de um mercado que assume uma dimensão considerável para a ALFA, e não trabalhando em just-in-time, foi possível fazer um planeamento das exportações o que evitou ruptura de stocks.

4.3 Filial de Angola

A entrada em Angola deu-se via exportação indireta, recorrendo a agentes que dominavam o canal de distribuição. Contudo, dada a necessidade de comunicar diretamente com os clientes locais, a empresa passou a realizar exportação direta. Assim, em 2009, a ALFA abriu uma filial comercial, com vista a reforçar a sua presença, onde detém 51% do capital social da mesma, o que agilizou o canal de distribuição, facilitando o acesso e a compra dos produtos com marca da casa-mãe, e abastecendo diretamente a filial local. Paralelamente à facilidade em termos logísticos, essa unidade facilitou o processo de desalfandegamento.

Nesse mercado, a ALFA segue uma estratégia de padronização do produto. Só no caso de volumes elevados, podem ser feitas adaptações às exigências locais.

Os fatores exógenos, como a crise de petróleo, a volatilidade das taxas de câmbio, a dificuldade em repatriar lucros e a limitação de recursos básicos (como: água; eletricidade e mão de obra), retardam potenciais investimentos e fazem de Angola um mercado de elevado risco pela elevada instabilidade econômica e social.

A concorrência no mercado angolano advém de produtos importados, embora haja alguns concorrentes nacionais, com unidades de produção, mas apenas para uma gama de produtos muito limitada. Os fatores exógenos têm vindo a refletir-se na evolução do volume de vendas desta filial e a partir de 2015 a sua importância relativa diminuiu. Com a pandemia, o volume de vendas desta filial estagnou, o mercado encontra-se parado, sem dinamismo. O investimento parou e a instabilidade econômica e política aumentou.

4.4 Filial de Moçambique

Inicialmente, a ALFA recorreu à exportação indireta, através de agentes que controlavam o canal de distribuição em Moçambique. No entanto, a exportação para esse país não assumiu grande expressão dado que havia forte concorrência provinda da África do Sul, embora com produtos de menor qualidade. Em 2009, a ALFA avançou com a criação de uma filial comercial, sendo o capital desta filial 100% da empresa Portuguesa.

Foi criada uma rede de agentes distribuidores, encarreguados da venda e da distribuição do produto proveniente da casa-mãe. Assim, esta filial funciona como entreposto, garantindo o stock no país. O produto vendido no mercado Moçambicano é exatamente igual ao que a casa-mãe produz, não sofrendo qualquer adaptação.

Tal como em Angola, esta filial sofre uma forte instabilidade devido à situação política e econômica do país, que se reflete numa forte variação no volume de vendas da filial, e que tende a decrescer.

A evolução do volume de vendas da filial tem variado grandemente. Desde a sua abertura, ano em que ostentou a sua percentagem máxima de volume de vendas face ao volume de vendas total das filiais da ALFA, até 2015, o volume de vendas manteve-se aproximadamente constante, acompanhando o crescimento que se fazia sentir no país. Depois dessa data, o país sofreu uma grave crise econômica - devido à retirada de apoios por parte dos países doadores e do Fundo Monetário Internacional (FMI), em virtude do caso das dívidas ocultas, que se refletiu numa diminuição drástica do volume de vendas. No entanto, no ano de 2019, esta filial conheceu um crescimento significativo.

A pandemia de COVID-19 refletiu-se acentuada-mente em Moçambique e nos negócios da filial, uma vez que se trata de um país ‘pouco produtor’, encontrando-se na dependência da importação de outros países. O encerramento das fronteiras, a dificuldade em importar produtos e o receio de uma eventual desvalorização cambial levou a uma quebra acentuada das importações em Moçambique. Contudo, ainda que o volume de negócios dessa filial tenha decrescido, a mesma conseguiu continuar a laborar em consequência do elevado stock que a filial possui em armazém. Mais, o fato de a filial atuar sobretudo no setor agrícola, segmento onde a ALFA é muito forte, reduziu o impacto desta pandemia. Com o encerramento das fronteiras no decorrer dessa pandemia, a filial tem sido contactada por novos clientes (novos para a empresa, que deixaram de ser fornecidos pelos seus habituais fornecedores). Assim sendo, apesar da diminuição da procura, o volume de vendas tem-se mantido, garantindo a quota de mercado e a remuneração da equipa e dos investidores.

4.5 Filial da Ucrânia

O primeiro contacto com o mercado Ucraniano deu-se via exportação direta. No entanto, apesar da grande necessidade destes tipos de produtos nos mercados do Leste (principalmente do segmento agrícola), os níveis de exportação apresentavam amplas variações ao longo dos anos, que refletiam não só a distância geográfica e cultural entre os dois países, como também as flutuações cambiais e as variações dos preços de custo em Portugal.

Para ser mais competitiva e vincar a sua presença no mercado, em 2016, a ALFA criou uma filial na Ucrânia, em conjunto com um parceiro local com competências na produção de um tipo de produto, bem como na comercialização e distribuição naquele mercado. Esta parceria foi desenvolvida na proporção de 51% e 49%, respectivamente.

Contrariamente à maioria das filiais do grupo, trata-se de uma unidade produtiva - para o segmento agrícola e que funciona como complemento da gama dos produtos da ALFA, (atualmente, a filial já possui duas linhas de produção em funcionamento). Com esta filial, a ALFA usufrui das vantagens da produção local para abastecer os mercados do Leste europeu (com menores despesas de transporte e fornecimento pela casa-mãe). A parceria tornou-se vantajosa sobretudo porque o parceiro local domina o canal de distribuição naquele país e a produção é assegurada com tecnologia da ALFA. Nesta filial é também comercializada parte da gama de produtos da ALFA, que a filial importa da casa-mãe.

A filial recorre a fornecedores locais para o aprovisionamento da matéria-prima. Esta filial vende toda a quantidade produzida, sendo que os seus volumes de produção são superiores aos produzidos pela casa-mãe, dado que existe procura no mercado local e em mercados limítrofes. Os custos de fabrico desta filial são mais competitivos do que os custos de produção da ALFA, quer em termos de matéria-prima, quer em mão de obra.

No segmento agrícola, esta filial é a maior unidade de produção da ALFA, o que permite uma maior competitividade e uma maior rapidez de resposta nos mercados do Leste europeu.

A Tabela 2 apenas apresenta o crescimento do volume de vendas exportado da sede para a filial, não refletindo a totalidade do volume de vendas das unidades produtivas. O produto fabricado nesta filial e vendido na Ucrânia representa 40% das vendas totais da ALFA, 50% corresponde às vendas de produtos fabricados na filial e vendidos noutros mercados do Leste europeu, os restantes 10% representam as vendas de produto importado da casa-mãe e vendido naqueles mercados.

A pandemia de COVID-19 teve inevitavelmente um impacto nesta filial, nomeadamente no retardamento do processo logístico, com dilações nos prazos de entrega das matérias-primas. Apesar disso, o processo de fabricação manteve-se ativo e, atuando no setor agrícola, perspectiva-se que as vendas continuem a assumir níveis semelhantes.

4.6 Filial do Chile

A entrada no mercado Chileno ocorreu via exportação direta, sendo a filial criada posteriormente. Contrariamente às restantes filiais, a ideia inicial para constituição desta filial partiu do parceiro chileno, um conglomerado diversificado com domínio dos canais de distribuição naquele país, na área da bricolagem, construção e jardim. Assim, em 2009, ambos criaram a filial Chilena, com iguais participações de capital.

Esta filial tinha como objetivo o desenvolvimento de um produto específico e a exploração desse segmento naquele mercado. Para tal, a ALFA disponibilizou a sua tecnologia e a produção ficou a cargo do parceiro local. O parceiro fabrica e comercializa outros produtos que atuam no mesmo segmento de mercado (não competindo entre si), sendo que esta parceria representa para o parceiro local uma pequena fração do seu volume de negócios. A distribuição do produto pelo mercado também ficou ao seu encargo, tirando proveito de uma rede para distribuição dos seus próprios produtos.

A matéria-prima é adquirida no mercado local, seguindo as especificações da ALFA. O produto é idêntico ao da casa-mãe, podendo ser adaptado às exigências daquele mercado.

O desenvolvimento desta filial não teve o êxito esperado: devido a flutuações cambiais, as exportações para esta filial têm diminuído. Um outro fator importante é que a gama de produtos comercializada no Chile tem concorrência muito elevada de outros produtos, sendo o mercado chileno bastante exigente em termos de qualidade, com presença de outras multinacionais concorrentes. Desde 2012, a sede não apresenta qualquer exportação para a filial (Tabela 2), sendo apenas comercializado no Chile o que é produzido localmente.

A pandemia de COVID-19 originou repercussões meramente ao nível do volume de vendas desta filial.

 

5. Análise e discussão

5.1 Perspectiva do processo de internacionalização

Para aumentar a sua presença nos mercados externos, a ALFA investiu em unidades comerciais em Marrocos, Angola e Moçambique, comercializando localmente os bens importados que são produzidos na casa-mãe e seguindo as orientações desta última. Assim, de acordo com a tipologia de White e Poynter (1984), as subsidiárias de Marrocos, Angola e Moçambique podem ser caraterizadas, desde o seu começo, como Marketing Satellites. No Chile e na Ucrânia, a ALFA optou por estabelecer unidades de produção. O design destas filiais apresenta algumas semelhanças em relação à sede, encarregando-se de funções de valor acrescentado, nomeadamente a produção e comercialização de algumas linhas de produtos da casa-mãe, para uma área geográfica limitada, o que demonstra um nível de compromisso superior com esses mercados em termos de representação; a filial da Ucrânia passou inclusive de uma linha de produção para duas linhas.

Nos cinco casos apresentados, a ALFA iniciou a sua entrada nos respectivos mercados via exportação e só depois evolui para a criação de filiais no estrangeiro. Essa conduta atesta um comportamento típico de uma PME, uma vez que opta, dada a limitação de recursos, pela exportação, que não envolve elevados investimentos em recursos financeiros e um nível de risco reduzido (Johanson e Vahlne, 2009; Ribau et al., 2015).

O processo de internacionalização de ALFA segue os princípios postulados no modelo de Uppsala e na teoria das redes, baseando o seu comportamento num nível de envolvimento e comprometimento crescente com o mercado (Johanson e Vahlne, 2009; Ribau et al., 2015): inicialmente para mercados geográfica, cultural e linguisticamente próximos e subsequentemente para mercados mais complexos, típico comportamento de uma PME e não de uma multinacional. Esse comportamento está alavancado na diminuição do risco e na procura de conhecimento sobre os mercados internacionais, para assegurar o controlo e gestão das atividades que adicionam valor acrescentado, dando destaque à sobrevivência e crescimento da empresa, o que está de acordo com o defendido por Dimitratos et al. (2003).

5.2 Perspectiva evolutiva do relacionamento casa-mãe e filial

A ALFA é uma PME com recursos limitados e algumas fragilidades que se refletem no seu processo de internacionalização. Uma consequência dessa vulnerabilidade é o fato de a empresa recorrer, na maior parte das vezes, a parceiros locais para entrar em novos mercados. Todas as filiais que a empresa detém, à exceção da filial de Angola e de Moçambique, resultam de parcerias com empresas locais, verificando-se sempre que possível uma partilha do capital social das mesmas. Por norma, os parceiros dominam recursos estratégicos, como os canais de distribuição locais, sendo conhecedores do mercado. No entanto, a opção por este modo de entrada nos mercados externos, dependente de parceiros, tende a ocasionar um menor poder da casa-mãe em prol dos parceiros locais, o que se reflete ao nível da gestão e do controlo de tais filiais. Os modos de entrada diretos, como acontece com as filiais de Angola e Moçambique, permitem que a casa-mãe goze de uma maior liberdade e de um maior poder, visto não existirem parceiros exteriores no capital social de tais filiais. Por sua vez, a entrada em Marrocos, no Chile e na Ucrânia envolveu a dependência de terceiros. Ainda que essas filiais se apresentem funcionais e ambos os parceiros consigam se beneficiar deste relacionamento, verifica-se um domínio do parceiro local, o que se traduz numa perda de poder da casa-mãe.

A filial de Marrocos ostenta um crescimento importante ao longo dos anos; no entanto, esta estabilidade só é possível graças aos parceiros locais que são: representantes da marca naquele território; detentores do capital social da filial; conhecedores do mercado Marroquino; e os que dominam os canais de distribuições naquele país. Assim, a ALFA apresenta uma total dependência dos sócios Marroquinos, dada a falta de conhecimento do mercado, e da falta de influência ao nível comercial e de gestão, sendo os parceiros Marroquinos responsáveis por toda essa gestão.

Também no Chile, o relacionamento é importante para ambos os parceiros: a ALFA acede ao mercado, que individualmente não conseguiria alcançar, e concede a sua tecnologia recebendo royalties em troca; o parceiro Chileno colmata as suas lacunas de mercado, usufruindo da tecnologia de ALFA e aproveitando a rede de distribuição que já possui. Todavia, o relacionamento apresenta-se muito descompensado: a filial é apenas uma divisão de um grande grupo chileno que representa uma pequena porção do seu portifólio de produtos. A filial usufrui da rede já bem estabelecida do seu parceiro local e colmata algumas necessidades típicas de uma PME, nomeadamente ao nível de recursos, controlo acionário e do negócio, e o parceiro é o responsável por toda a gestão e controlo dessa filial. Assim, a ALFA tem um controlo diminuto da filial, quer em termos de fabricação, quer em termos de mercado, estando em situação de dependência do seu parceiro local.

A filial da Ucrânia, apesar de ser a filial mais recente da empresa, apresenta um crescimento constante ao longo do tempo do seu volume de vendas, o que denota estabilidade na sua evolução futura, ostentando um futuro mais auspicioso. Ainda que a Tabela 2 reflita o aumento das variações negativas, o que se traduz num menor número de vendas da sede para a filial, esta aparente evolução negativa corresponde a uma menor dependência da sede e a uma maior autonomia por parte da filial em relação à sede (de notar que os volumes de vendas apresentados nas tabelas não correspondem à totalidade, visto esta filial se tratar de uma unidade de produção). A autonomia demonstrada é reforçada pela dependência que a ALFA apresenta dos seus parceiros estratégicos, sobretudo ao nível da distribuição dos produtos (produzidos na unidade produtiva e importados da casa-mãe). Isto é, estando a exploração do mercado delegada aos sócios dessa filial, dado o conhecimento que estes já detêm do mercado, a ALFA possui um reduzido conhecimento sobre quem constitui o canal de distribuição naquele mercado, incorrendo o risco de perda de controlo sobre o mesmo. Em suma, essa filial assume uma quase total independência face à casa-mãe. Todavia, à semelhança do que ocorre com as outras filiais (Marrocos e Chile), é o parceiro local dessa filial que goza do profundo conhecimento do mercado, colocando a ALFA numa dependência em relação aos mesmos.

Na filial de Angola, não existe uma partilha de capital social com parceiros locais. Essa filial encontra-se sob a alçada dos mesmos sócios que a casa-mãe, não existindo nenhum parceiro externo ou local. O mesmo ocorre em Moçambique, sendo uma filial com capital 100% da ALFA. Ainda que esta constituição para entrada em mercados externos possa requerer uma estrutura mais complexa e eventuais custos acrescidos, permite um maior controlo e conhecimento do mercado - uma vez que ALFA não recorre a parceiros e, por isso, contacta diretamente com o mercado local, possuindo o acesso direto ao conhecimento deste -, assim como um maior conhecimento e uniformização de todo o negócio, o que lhe confere um posicionamento competitivo superior e diminui o risco de um eventual desalinhamento com a casa-mãe. Assim, a casa-mãe goza de um maior poder sobre essas duas filiais, pelo que o poder subsidiário de dependência de recursos é também diminuto (Tabela 3), visto que sendo a sede a única responsável pelo controlo e gestão destas filiais, goza do conhecimento do mercado, da informação do negócio, etc.

 

Tabela 3 Principais fatores subjacentes ao poder da dependência dos recursos

Marrocos O poder de dependência de recursos desta filial advém da falta de acesso e de conhecimento do mercado pela casa-mãe. Assim como da falta de informação do negócio (restringida pelos parceiros locais) e do conhecimento das redes de distribuição naquele mercado.
Angola O poder subsidiário de dependência de recursos desta filial é nulo, uma vez que a casa-mãe é a única responsável pelo controlo e gestão desta filial.
Moçambique O poder de dependência de recursos da filial Moçambicana é nulo pois a sede detém todo o conhecimento das informações cruciais do negócio.
Chile O poder subsidiário de dependência de recursos é elevado uma vez que a sede apresenta uma total dependência dos recursos do parceiro (humanos, técnicos, comerciais e relacionais) e é o responsável pela produção e distribuição dos produtos. Este poder reforça-se uma vez que a filial não recorre a importações da casa-mãe (de matéria-prima ou produtos acabados), estabelecendo toda a sua cadeia de abastecimento localmente.
Ucrânia O poder subsidiário de dependência de recursos é elevado uma vez que o parceiro domina os canais de distribuição, quer dos produtos produzidos na filial quer dos produtos importados da casa-mãe. O poder de dependência de recursos é ainda reforçado pois, tratando esta de uma filial produtiva, consegue estabelecer toda a sua cadeia de abastecimento naquele país, assim como possui o domínio sobre os recursos técnicos, comerciais e relacionais naquele mercado.

Fonte: elaboração própria com base nos estudos de caso.

 

Em suma, nas filiais em que se verifica uma partilha de capital social, o poder de atuação da casa-mãe é mais limitado, dada a dependência desta face aos parceiros. Já nas filiais em que não se verifica uma partilha de capital social com parceiros, a casa-mãe consegue não estar dependente dos recursos dos seus parceiros, pelo que são mais independentes.

Por forma a sintetizar o poder subsidiário presente em cada uma das filiais da empresa, apresenta-se a Tabela 3 com os principais fatores subjacentes ao poder da dependência dos recursos exercido por cada filial.

Desta tabela, destaca-se a dependência dos recursos e como esta influencia a casa-mãe e modela os relacionamentos entre a casa-mãe e as suas filiais. A escolha dos modos de entrada em mercados externos impacta o exercício do poder: quando a entrada nos mercados externos ocorre através de modos de entrada independentes, o poder da casa-mãe é maior, por sua vez quando a entrada nos mercados externos ocorre através de modos de entrada dependentes, o poder da filial é maior e, consequentemente, o poder da casa-mãe é menor.

Nos cinco casos estudados, foi possível verificar que, à exceção das filiais de Angola e Moçambique (cujo capital é 100% da casa-mãe), as restantes filiais, cujo capital social é partilhado com parceiros locais, apresentam um poder elevado dada a limitação de recursos da ALFA.

5.3 Impacto da pandemia de COVID-19 no relacionamento casa-mãe e filial

A atual pandemia de COVID-19 interferiu no mundo dos negócios devido ao elevado nível de incerteza (Juergensen et al., 2020) e inevitavelmente nos processos de internacionalização das empresas e nos relacionamentos entre a casa-mãe e as filiais. Se em algumas filiais da empresa o impacto foi quase nulo sem grandes alterações em termos organizacionais, noutras filiais o impacto organizacional foi bastante notório, despontando novas oportunidades de negócio. Um quadro resumo do impacto da pandemia de COVID-19 se apresenta na Tabela 4.

 

Tabela 4 Quadro resumo do impacto da pandemia de COVID-19

Moçambique Angola Marrocos Chile Ucrânia
Poder relativo à dependência dos recursos: pré- COVID-19 Grande poder da sede. Poder da filial é muito reduzido. Grande poder da sede. Poder da filial é muito reduzido. Poder da filial é amplo, tanto a nível de conhecimento do mercado como do controlo social da filial. Poder da filial é amplo, tanto a nível de conhecimento do mercado como do controlo social da filial. Domínio das competências produtivas não confere grande poder à sede. Poder da filial é amplo, tanto a nível de conhecimento do mercado como do controlo social da filial. Domínio das competências produtivas não confere grande poder à sede.
Caraterísticas do funcionamento: durante a COVID-19. Não houve aumento de procura primária; no entanto, mas com a diminuição dos concorrentes estrangeiros, procura aumentou. O sistema logístico com armazenagem destino evitou ruturas de stock e proporcionou novos clientes, que não conseguiriam ser abastecidos pelos concorrentes de ALFA. Futuro incerto com o continuar das limitações de abastecimento. Encerramento de fronteira, diminuição do dinamismo económico, aumento da instabilidade económica. Diminuição da procura levou à estagnação do mercado. Com levantamento das restrições, mercado continua estagnado. Futuro incerto com o continuar das limitações Volume de vendas diminui. Planeamento do consumo (procura) é gerido considerando a logística de abastecimento. Com levantamento das restrições mercado não aumentou. Nova logística definida face à nova procura. Os produtos exportados da sede para a filial estão complemente estagnados. Logística interna no Chile para manter a produção em funcionamento. Filial cada vez mais independente. Com a pandemia, a logística da matéria-prima e prazos de entrega pioraram. Como mercado agrícola é o mais importante, volume de vendas manteve-se. A médio prazo perspetiva-se maior autonomia da filial, dada a distância geográfica e dificuldade logística em pandemia.
Maiores desafios Manter quota de mercado e relacionamento com clientes atuais. Tentar cativar clientes nucleares/ grandes que não foram servidos pelas principais clientes, durante a Covid-19. Risco político que pode por em causa a sobrevivência da filial. Não produção local, o que implica total dependência da casa-mãe. Mercado em queda. Manter stocks elevados para garantir abastecimento do mercado local. Filial com pouco domínio do negócio e incapacidade para assegurar produção. Instabilidade económica adicionada à Covid-19 põe em risco a sobrevivência da filial. Forte quebra no mercado angolano. Abastecimento do mercado angolano intermitente com a Covid-19. Conhecimento do mercado angolano, em queda, não é grande trunfo para a filial ganhar poder face à sede. Filial produtiva não é rentável face aos pequenos volumes de produção. Diminuição da procura e dificuldades logísticas, o que prejudica a filial com mais vendas fora de Portugal. Desempenho económico vai depender da possibilidade em abastecer o mercado marroquino, tanto pela ALFA como pelos principais concorrentes europeus. Trabalho relacional com parceiro marroquino ditará o sucesso do desempenho durante e após Covid-19. A procura diminuiu no mercado chileno. Se as exportações de produtos para a filial chilena desvaneceram-se depois de 2011, a filial chilena enfrenta apenas a diminuição da procura nesse mercado. Diminuição da procura com a Covid-19. Problemas crescentes com a exportação de produtos acabados para o mercado ucraniano, bem como a logística de matéria-prima dão mais poder à filial, que acaba por ter mais poder face à sede. Logística e cadeia de abastecimento na Ucrânia, cada vez mais preponderante. Capacidade de produção e mercado da filial superior à da casa-mãe podem pôr em risco a dependência da filial.
Poder relativo à dependência dos recursos: pós-COVID-19 Não se vislumbra alteração. Não se vislumbra alteração. A pandemia não afetou o poder da filial. Não se vislumbra alteração do poder dominante da filial. Filial chilena ganha maior independência face à sede. Perda de poder da sede. Filial cada vez mais autónoma em termos produtivos e da cadeia de abastecimento.

Fonte: elaboração própria com base nos estudos de caso.

 

Na filial de Angola, dadas as condicionantes já mencionadas, o impacto da atual pandemia de COVID-19 não teve uma expressão muito vincada, uma vez que o volume de vendas atual dessa filial já era bastante baixo, no entanto o decréscimo das vendas em Marrocos fez-se sentir, mas de forma pouco acentuada. Também no Chile, a pandemia de COVID-19 originou problemas de contração de mercado; no entanto, esta disrupção não foi tão evidente devido à pequenez da ALFA em relação ao aglomerado Chileno e ao fato de as exportações de produtos acabados da casa-mãe para a filial serem praticamente inexistentes.

Em termos transfronteiriços, a ALFA conseguiu manter as trocas comerciais com as suas filiais, apesar das restrições que se fazem sentir, não tendo limitações em termos de transporte das mercadorias. Em Moçambique, a atual situação da COVID-19 melhorou a posição relativa da ALFA no mercado moçambicano face aos concorrentes, em grande parte porque a filial se manteve operacional - possuindo um grande stock e um leque abrangente de produtos que conseguiu fazer face às necessidades do mercado numa altura em que muitas empresas viram a sua cadeia de abastecimento interrompida.

Por sua vez, a filial da Ucrânia também sofreu com o surgimento da atual pandemia. Tratando-se de uma unidade de produção que já apresentava uma certa independência face à casa-mãe, a atual situação agravou ainda mais essa posição, uma vez que existindo algumas restrições transfronteiriças, a filial acabou por desenvolver toda a sua cadeia de abastecimento localmente, sendo a influência da casa-mãe nestas operações reduzida ao mínimo.


6. Conclusões

Este estudo analisa o processo de expansão internacional de uma PME e do relacionamento sede-filial, uma vez que este processo é subexplorado na literatura existente sobre PMEs. Ele complementa a literatura das PMEs, destacando o seu papel ativo no processo de internacionalização, contribuindo para colmatar um gap na literatura. Complementarmente, analisa o impacto no relacionamento sede-filial com o aparecimento da COVID-19.

Recorrendo a cinco estudos de caso, analisando a perspetiva evolutiva das diferentes filiais da ALFA e confrontando os diferentes relacionamentos sede-filiais, verificou-se que podem existir diferenças no relacionamento quando se trata de filial comercial ou filial produtiva, uma vez que as unidades produtivas tendem a apresentar uma certa independência da casa-mãe. Isso acontece maioritariamente quando as filiais conseguem estabelecer-se no mercado externo (sem recurso ao abastecimento pela casa-mãe), como foi o caso das filiais da Ucrânia e do Chile, sendo a influência da casa-mãe reduzida ao mínimo e, por isso, o poder subsidiário de dependência de recursos prevalece. O posicionamento jurídico da casa-mãe no capital social da filial faz com que existam diferenças: o poder da casa-mãe é menor quando o capital social é partilhado entre a casa-mãe e a filial. Por sua vez, quando a casa-mãe é detentora de 100% do capital social da filial, a casa-mãe detém um poder superior, como ocorre em Angola e Moçambique, sobretudo, porque, apesar de a filial deter o conhecimento do mercado, esta acaba por ser controlada pela sede, que faz o abastecimento do mercado de forma exclusiva e a partir da sede.

De notar que ao longo do processo de internacionalização desta PME foram notórias algumas das suas necessidades, em particular ao nível de recursos, controlo acionário e de negócio, que justificam a adoção frequentemente de modos de entrada dependentes de terceiros, uma vez que estes parceiros permitem colmatar as necessidades típicas da empresa enquanto PME.

No que respeita ao impacto da pandemia de COVID-19, quer no processo evolutivo das filiais, quer no relacionamento entre a casa-mãe e as diferentes filiais, os resultados foram díspares. A filial de Moçambique melhorou a posição relativa no mercado, satisfazendo as necessidades do mercado com o stock que possuía; no entanto, esta posição não é sustentável ao longo do tempo. A filial da Ucrânia aumentou ainda mais a independência face à casa-mãe, desenvolvendo toda a sua cadeia de abastecimento no interior do país. A filial chilena está cada vez mais isolada e independente das vendas da sede.

A complexidade, a natureza díspar do processo de internacionalização e a heterogeneidade de percursos e de relacionamentos com a casa-mãe, que podem existir para cada subsidiária, não podem ser ignorados. No entanto, com a incerteza gerada a nível socioeconômico, com a diminuição da procura e com a dificuldade na gestão global da cadeia de abastecimentos, a evolução da relação sede-filial poderá mudar dramaticamente.

Este artigo tem como principal limitação o fato de estar baseado numa única empresa, de um único setor de atividade, que não pretende divulgar publicamente a sua identidade e volumes de venda. Uma outra limitação reside no fato de ter sido desenvolvido em clima de incerteza quanto à pandemia de COVID-19 e ao seu desfecho, não se sabendo por quanto tempo pode durar; no entanto, mesmo nestas circunstâncias é possível identificar tendências e efeitos gerais que podem ser indicadores claros e permitem tirar conclusões sobre perspetivas futuras. Um outro aspeto particular deste artigo é que apenas analisa o relacionamento sede-filial com base nas exportações da sede, não tendo em conta o comportamento operacional das suas filiais produtivas. Finalmente, a análise não recaiu sobre o consumo ou os padrões de compra, que poderão ser futuramente afetados.


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Conflito de interesses Os autores declaram não haver conflito de interesses.